sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O espelho

Às vezes, quando estou dirigindo e preciso mudar de faixa, digo:
- Vou acionar o acelerador de carros ao lado. - e ligo a seta.
É uma realidade incrível. Muitas vezes - digo até que a maioria delas - quando damos a seta, o carro que vem na faixa ao lado acelera, quase inconsciente, não nos deixando entrar.
Hoje, até olho isso com naturalidade. Antigamente até reclamava, mas hoje apenas constato e, involução minha, xingo mentalmente...
Ontem vinha para o trabalho num trânsito paulista de tão cheio. Porém, andava, e era carro de um lado, motos voadoras passando por entre eles, caminhões soltando fumaça, carros velhos com seus escapamentos fazendo um barulho de dar inveja a muitos aviões, enfim, aquela maravilha.
Meio atrasado eu acelerava quando podia, pensando em chegar na hora certa. Um carro deu seta à minha direita, logo à frente, querendo entrar no espaço que tinha entre o meu e o próximo veículo. Esperei sem diminuir a velocidade e, como ele demorou um pouco para entrar, acelerei, o impedindo de mudar de faixa, o que ele conseguiu, mas apenas uns quatro carros atrás de mim.
Naquele instante me lembrei da velha máxima: "antes de criticar, se olhe no espelho".
Ontem, na visão do outro motorista - e minha -, eu fui o chato que sempre acelera quando alguém dá seta.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

A dúvida

A zona rural de Crateús, é um dos lugares com mais cara de sertão que eu conheço. Com suas ruas de terra, cercas de galhos retorcidos retirados da caatinga e bodes desfilando pelas ruas, tocando seus alegres e calmos sinos, temos a impressão de entrar diretamente pelas fotos dos livros de história.



Já trabalhamos nessa cidade, há alguns anos e fizemos grandes amigos. Sempre somos recebidos de forma maravilhosa e, dessa vez, não foi diferente.
Na segunda noite, houve uma grande festa na comunidade de Curral do Meio, onde trabalhamos nos anos anteriores. Ficamos surpresos ao chegar em uma recém-construída pizzaria. Ela estava cheia de gente, a mesma banda de forró que tocara na noite anterior também estava ali e na rua muitas pessoas preenchiam cada espaço, nos dando a impressão de que toda a comunidade estava presente.
- Isso aqui nunca tem não, é só porque vocês vieram. - me disse um alegre menino.
Foi uma noite agradabilíssima, o céu completamente estrelado, a lua cheia fazia sombra mais forte do que as luzes fracas que "alumiavam" as casas. O sanfoneiro "rasgava" a sanfona. Até que ela se aproximou. Do alto de seus 11 anos, sorriso aberto, me cumprimentou. Havia tratado de seus dentes em outra oportunidade e feito grande amizade com toda a turminha, alegre e esperta, que ficavam o dia todo brincando em meu improvisado consultório na sala de aula. Até que, depois de um tempinho, me disparou:
- Sabe que eu gosto e não gosto de você, ao mesmo tempo?
Aquilo me pegou desprevenido. Não entendi e perguntei o porquê.
- É porque quando vocês vem, é uma alegria danada, todo mundo fica muito feliz, mas aí vocês vão embora e a gente fica muito triste.

O texto poderia acabar aqui. Seria uma bela demonstração do carinho que recebemos, não fosse um assunto que sempre converso com amigos de estrada. É comum, quando partimos, ver crianças e amigos chorando, o que nos deixa alegres pela amizade verdadeira demonstrada, mas com o coração apertado. Imagine a dor de um tio, deixando seu sobrinho chorando porque ele está se mudando. Algo assim.
Então perguntei:
- Mas então, é melhor ter conhecido, gostar muito e dar essa saudade doída na hora de ir embora? Ou é melhor nem conhecer e continuar como se nunca tivesse visto?
- Ah, é claro que conhecer... - disse com seus olhinhos tristes.
Eu mesmo, tenho que pensar antes de responder.

domingo, 22 de agosto de 2010

Xixi nas calças

Chegamos hoje (domingo, dia 22/08) de mais um trabalho. Tiveram muitas emoções (como diria Roberto Carlos), reencontros de amigos e escolas, histórias que gostaria de escrever. Mas a primeira que me veio, foi a que mais dei risada.
Em Crateús-CE, tivemos uma recepção maravilhosa, como sempre. Há anos, realizamos trabalhos sociais nessa querida cidade e fizemos grandes amigos. Após o primeiro dia de trabalho na comunidade de Pocinhos, eles nos presentearam com uma festa incrível, na casa onde estávamos hospedados. Uma banda de forró tocava em nosso quintal. Mas o melhor: era uma banda de forró de verdade. Não esse que faz mais sucesso hoje em dia, o brega eletrônico. Tocavam o verdadeiro pé-de-serra, aqueles que animavam festas assim, nessa região, desde o começo do século passado.
Eram quase duas da manhã quando pararam de tocar. Foi cedo. Além do meu violão, haviam mais dois na casa. Os dois médicos oftalmologistas, que relizavam exames e prescreviam óculos - que serão entregues na próxima visita - também tocavam, mas já estavam dormindo em suas redes. Fomos acordá-los.
Chegamos no quarto, começamos a tocar músicas e, até que eles levantassem, continuamos ali. Vários amigos em volta. Bruno e Felipe - os oftalmos - se sentaram, preparando-se pera pegar seus violões.
Alfenas, que estava sentado ao meu lado, começou a cantar e cochilar, quase ao mesmo tempo. Repousou seu copo de cerveja na coxa direita, apoiado pela mão, e dormiu.
Sem perceber, enquanto tocava, bati o violão em seu joelho - estava sentado numa rede, por isso mais baixo - que automaticamente empurrou sua perna para o lado, virou o copo que segurava, derrubando a cerveja sobre o zíper de sua bermuda.
Acordando num susto pelo líquido gelado que escorria perna abaixo, levantou sem graça e saiu rápidamente porta afora, dizendo:
- É... acho que está na hora de dormir. - Não olhou para ninuém e saiu, pensando que havia mijado nas calças na frente de todos.
Nem conseui terminar a música. Gargalhávamos.
Fomos muito amigos, não o deixamos o tempo inteiro achando que havia feito xixi nas calças. Apenas três dias. Hoje contei no almoço. Ele, é claro, deu muita risada.
Na verdade, penso que foi mais de alívio, do que de graça.