terça-feira, 1 de maio de 2012

Fartura

Voltamos este fim de semana de uma viagem de 20 dias desde o sertão do Ceará, até as praias do Pará, cercadas pelos vermelhos pássaros guarás e seus imponentes búfalos. Nos últimos dias conhecemos uma comunidade de pescadores, onde se chega apenas pelo mar. Um barco-escola nos levou até lá.
Uma escola de madeira - assim como as casas de palafita, espalhadas pela rua principal de areia branca - nos aguardava com suas três classes repletas de alunos para receberem kits escolares com cadernos, livros, lápis e canetas; além, é claro, do material de higiene bucal: escova e creme dental. Depois de uma conversa com os alunos, um delicioso almoço com peixe frito e camarão, junto ao arroz com farinha, fomos conhecer o curral dos pescadores.
A uma boa caminhada da escola chegamos à praia, que é regida pela maré e define a sobrevivência das dezenas de famílias da comunidade. Uma característica do recortado litoral da região é na maré baixa a areia se secar, deixando barcos no chão e plantas à mostra e, nas horas seguintes, a cheia adentrar em poucos minutos preenchendo tudo novamente, deixando algum desavisado que esteja na praia, isolado, precisando voltar a nado para a região das casas (ou dormindo em alguma charmosa palhoça próxima ao mar).
Cada dia a maré seca uma hora mais cedo e os pescadores sabem exatamente o momento de se encaminhar ao curral e retirar sua sobrevivência do mar. Ele é formado por altas madeiras enfileiradas no sentido em que a maré é puxada e segue até as duas últimas traves, onde uma rede de pesca recebe os peixes que seguem este caminho. Entre as madeiras laterais não há redes, o que nos levava a pensar "por que os peixes não desviavam pelas laterais?".
- Quando a maré passa pelas madeiras faz um barulho (turbilhonamento) que incomoda os bichos, então eles se afastam das bordas e seguem para o centro, onde tem a rede. - explicou um pescador mais experiente.
Quando chegamos ao local, os pescadores já cortavam a rede - que seria amarrada mais tarde novamente - e retiravam os peixes para os enormes baldes que traziam. A quantidade era incrível! e impressionava o número de peixes deixados de lado. As pessoas colocavam em seus cestos exemplares enormes, de mais de um metro de comprimento. Outros pouco menores, que em São Paulo chamariam a atenção em uma feira livre pelo tamanho e beleza, eram jogados na areia e fariam a festa de cachorros e urubus que, assim como os moradores, também sabiam a hora exata de se encaminharem para o local.
Na rede, jazia uma enorme arraia, de aproximadamente um metro e meio e não seria levada. Já havíamos experimentado a carne deste animal, muito saborosa e com uma consistência que permeia entre a carne de peixe e a de gado. Pedimos a um garoto que a preparasse para nós. Ficamos surpresos ao observar que não é um peixe apreciado por eles, que reclamam de seu duro "couro" que deixa a faca cega.
Voltamos para a comunidade. Pescadores com baldes e cestos cheios que alimentarão suas famílias e ainda venderão o excedente para as cidades vizinhas. Nós, surpreendidos pela imensa fartura que existe no litoral norte brasileiro.